terça-feira, agosto 01, 2006

Comentários sobre a nova lei de drogas antes da decisão presidencial

Existe algo realmente estranho no artigo 28 do projeto da nova lei de drogas, pois como bem apresentado neste post, o uso de substâncias psicoativas ainda está configurado como 'injusto penal', ou seja, crime.
"Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Redação final do Projeto de Lei do Senado nº 115, de 2002 (nº 7.134, de 2002, na Câmara dos Deputados)"
Da forma como apresentado, o artigo 28 explicita certa esquizofrenia pois criminaliza sem exatamente punir. Expressa um evidente mas ainda tímido reconhecimento da falência do modelo repressivo como estratégia eficaz de combate ao uso de substâncias psicoativas na sociedade. O resultado é uma 'nova lei (ainda) anti-drogas', que continua criminalizando (agora disfarçadamente) o usuário.

Os malabarismos legislativos específicos deste projeto de lei parecem retratar a 'acomodação' articulada para atender às diversas forças que compõem o atual cenário político nacional e internacional. São o resultado de uma tramitação de 4 anos passando por Câmara, Senado, SENAD, Casa Civil, Itamaraty, entre outros, e só Deus sabe o que foi necessário acomodar para se alcançar consenso e manter coerência neste texto. Resta saber se tais acomodações e adaptações legislativas são a melhor maneira de gerar princípios e diretrizes destinados a lidar com uma questão social tão complexa. O Prof. Herbert Reis Mesquita, delegado da Polícia Federal e professor de Direito Penal da Faculdade Unieuro, acha que não:
"Nesse contexto, apenar alguém que comete um crime com uma "advertência sobre os efeitos da droga" é pífio, não sendo o "aconselhamento" uma função precípua da polícia e do Judiciário"
O crime compensa? Com a nova lei de drogas o crime pode compensar
Walter Maierovitch, ex-SENAD no governo FHC, também apontou a distorção em rápida análise sobre o projeto de lei que está para ser sancionado pelo presidente Lula:
"O projeto é criminalizante no que toca ao usuário, exatamente o oposto do contido e pregado em carta assinada pelo Lula para o secretario geral do ONU, em 1998. Além disso está na contramão, ou seja, é atrasado: trabalha com a falsa idéia de despenalização e introduz o modelo norte-americano da "Justiça Terapêutica". E também converte em pena de prisão a sanção restritiva a direitos imposta ao condenado por porte de droga para uso próprio. Se o Lula colocar no seu c.vitae a introdução da Justica Terapêutica no Brasil, o Bush e o czar da Casa Branca, Jonh Walters, irão adorar."
Walter Maierovitch - Sobre o projeto de lei
Para reforçar a oportuna lembrança com que nos brinda Maierovitch, registramos aqui que a mencionada carta assinada pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva entre outras coisas diz:
"Acreditamos que a guerra global contra as drogas está causando agora mais danos do que o uso indevido de drogas em si... Persistir em nossas atuais políticas apenas resultará em mais uso indevido de drogas, maior fortalecimento do mercado ilícito, aumento da criminalidade e mais doença e sofrimento."
Psicotrópicus - Carta Pública a Kofi Annan
O uso / consumo de substâncias psicoativas é uma decisão de foro pessoal, não agride bem jurídico penal, e portanto não faz sentido ser enquadrado como crime em qualquer hipótese. Por sua vez, o abuso de substâncias psicoativas é uma questão de saúde pública, que deve ser abordada pela ótica da redução de danos. Neste aspecto, segundo os colegas do Princípio Ativo, temos progresso com a nova lei:
"A lei traz alguns grandes avanços. Ao definir que as políticas de atenção em saúde voltadas às pessoas que usam drogas devem estar pautadas nos princípios e diretrizes do SUS, a lei aponta saúde como direito... a Redução de Danos aparece devidamente caracterizada como forma de atenção em saúde. Neste sentido, passamos a ter um dispositivo poderoso de enfrentamento da Justiça Terapêutica, pois mesmo que ainda seja permitido ao juiz determinar um tratamento (o que é um contra-senso se pensamos nos princípio dos SUS), ao menos podemos exigir que a definição sobre qual a abordagem terapêutica seja construída pelo sujeito, conjuntamente com um profissional de saúde do SUS."
Reflexões do Princípio Ativo sobre as implicações da nova lei (ainda) antidrogas
Há indícios de que Lula deve assinar a lei até o próximo dia 04/08, e não temos ilusões sobre a possibilidade de mudanças significativas no que está proposto. Entretanto, consideramos que a aprovação desta lei abre uma nova etapa para o anti-proibicionismo no Brasil, onde vislumbro um debate mais arejado e menos preconceituoso sobre o uso social de substâncias psicoativas. Os colegas do sul foram felizes na síntese:
Mesmo reconhecendo que o substitutivo da lei 6.368/76 está apontando para o reconhecimento de um fracasso da lógicas meramente repressivas (seja na área da saúde ou da segurança), nossa única vitória está em poder usar esta lei, a partir de sua sanção, não somente como um dispositivo de reflexão sobre a proibição das drogas em nossa sociedade, mas também como um instrumento de luta pelos direitos dos usuários e dos pequenos vendedores das drogas tornadas ilícitas.
Reflexões do Princípio Ativo sobre as implicações da nova lei (ainda) antidrogas
Nós aqui seguimos acompanhando o tema, informando e debatendo, e também torcendo por uma boa decisão presidencial. O que seria mais oportuno neste momento? Sancionar a lei e propor discussão, ou vetar partes do texto? Como resolver a esquizofrenia da proposta? O que vetar? Certamente precisamos alargar o debate, e o momento oportuno pode ser agora mesmo.