terça-feira, agosto 30, 2005

Ofensiva da cannabis medicinal

O movimento pelo reconhecimento da utilização médica da cannabis nos EUA entra em etapa ofensiva. A irracionalidade que justifica a perseguição à planta vêm se tornando mais evidente, e a cada dia cidadãos e grupos vão retomando seus direitos cognitivos, se organizando e atuando através de processos legais contra o grande gerador e mantenedor desta situação surreal de proibição - o governo americano.

A ACLU (American Civil Liberties Union) está protestando judicialmente contra a política do DEA (Drug Enforcement Agency) de bloquear o desenvolvimento de pesquisas científicas privadas - e aprovadas pelo FDA (Food and Drug Administration) - que poderiam levar a aprovação da cannabis como medicamento. De fato, a ACLU está representando o Prof. Lyle Clarke, especialista em plantas aromáticas e medicinais da Universidade de Massachusetts que há mais de 4 anos luta para conseguir uma licença do DEA para produzir plantas em condições de serem utilizadas em pesquisas científicas.
"Apesar da ação de controle do DEA o público merece, e crescentemente exige, uma avaliação científica justa e completa sobre os possíveis benefícios médicos da cannabis. Como cientista, é meu trabalho produzir plantas para pesquisas. A recusa do DEA em permitir o cultivo de cannabis para pesquisa impede o acesso especializado às propriedades potencialmente medicinais desta planta"
Lyle Craker, Ph.D. - University of Massachusetts Professor
É realmente fascinante a lógica do DEA: afirma que não existem estudos que provem a eficácia do uso medicinal da cannabis, e ao mesmo tempo bloqueia o desenvolvimento de qualquer pesquisa neste sentido. Mas as contradições não estão passando de forma desapercebida como até há algum tempo atrás, o que se confirma pela cobertura favorável dos editoriais da imprensa no assunto (NYTimes, Boston Phoenix, NewStandard, etc.)

A M.A.P.S. através de Rick Doblin, seu presidente, também está processando o governo americano por não fornecer o material (cannabis) destinado a pesquisas aprovadas pelo FDA, dentre elas a que testa o uso de vaporizadores para a ingestão segura (eliminando a fumaça) dos princípios ativos da planta. No presente caso, Doblin irá testemunhar como a aprovação da licença ao Prof. Craker iria beneficiar o interesse público ao prover condições adequadas para estudos de qualidade no assunto, e aproveitando a oportunidade de observador privilegiado, está publicando um blog que acompanha o caso de perto. Vale à pena ficar ligado no que acontece por lá.

Em tempo, uma resposta à decisão da Suprema Corte em junho:
  • "Patrulha Rodoviária da California (CHP) não mais apreenderá cannabis usada como medicamento"
    (NYTimes, 30/08/2005)
  • "Para o júbilo dos ativistas da cannabis medicinal, a Patrulha Rodoviária da Califórnia concordou em parar de apreender cannabis de motoristas que apresentem recomendação médica"
    (San Francisco Chronicle, 30/08/2005)

sexta-feira, agosto 19, 2005

O sado-moralismo que comanda a 'guerra às drogas'

Está fazendo barulho na imprensa uma carta do congressista americano Mark Souder à HHS (Health and Human Services, agência de serviço social), repreendendo publicamente seus dirigentes por estarem patrocinando uma conferência sobre methanphetaminas cujos organizadores apóiam a abordagem da 'redução de danos' para a política de drogas. O tal Mark afirma categoricamente que a idéia de substituir a 'guerra às drogas' em favor de programas que tentem limitar os efeitos prejudiciais do abuso de substâncias é um ataque à política federal ('guerra às drogas').

Este sujeito é o Chairman do Subcomitê de Justiça Criminal, Politíca de Drogas e Recursos Humanos do congresso dos EUA, e é responsável pela ratificação de regulações para o Escritório Nacional de Políticas de Drogas (ONDCP), o que significa jurisdição sobre todos os esforços de controle (incluíndo programas internacionais, interdições, e iniciativas de prevenção e 'tratamento'). Informação importante: de acordo com o 'Center for Responsive Politics', o tal Mark Souder teve suas campanhas eleitorais financiadas por: American Medical Association, UPS, Indiana Farm Bureau, National Rifle Association (!), National Beer Wholesalers(!!), SBC Communications and Eli Lilly and Co (!!!).

Estamos aqui diante de uma demonstração irrefutável da irracionalidade sado-moralista que se manifesta nos responsáveis pela condução das políticas para substâncias psicoativas nos EUA, que acaba determinando a prevalência desta abordagem como padrão mundial. Vejam: não há qualquer preocupação se a política de drogas será efetiva ou não -- se servirá para reduzir o uso (comprovadamente não serve) ou para diminuir o malefício causado pelas drogas. A única preocupação é com a punição, e a bronca do congressista com a abordagem da 'redução de danos' parece ser a de que, neste caso, pessoas que usaram drogas vão ser ajudadas ao invés de serem punidas. Certamente ele não está interessado nisso. No entanto, os negócios milionários de fabricantes de bebidas, armas, e remédios sintéticos serão muito bem representados e defendidos pelo figurão.

Os governantes brasileiros deveriam estar mais atentos aos detalhes de mais esta guerra absurda à qual o governo americano exige apoio compulsório. É urgente que cidadãos brasileiros conscientes exijam uma posição local autônoma para o problema, ao invés de ficarmos à mercê das doenças de personalidade dos gringos.

segunda-feira, agosto 15, 2005

Planta proibida - perseguição denunciada

Nunca vi uma explicitação tão evidente da escalada de distorções que ilustram a perseguição sofrida pela planta cannabis nos últimos 80 anos. Em artigo publicado recentemente na revista online Nuvo, (Cannabis Cure: Miracle or Myth?) Laura McPhee coleciona citações de famosos estudos oficiais sobre o tema, e demonstra como os verdadeiros resultados foram rechaçados e / ou distorcidos de acordo com a agenda política, criando as condições para este tremendo mal-entendido em nossa civilização que é a criminalização do uso da cannabis. Ao examinarmos os fatos percebemos claramente que os mais comuns e perigosos mitos e inverdades sobre a substância ilegal mais utilizada no mundo são concebidos e difundidos pelo governo americano, em desacordo com as descobertas oficiais.

Através da ação internacional do DEA, ainda hoje o mundo é forçado e decorar esta cartilha:

"A maconha é uma droga perigosa e altamente viciante, que coloca a saúde dos usuários em signitivativo perigo. A maconha não tem nenhum valor medicinal que não possa ser promovido de forma mais efetiva através de outras drogas. Os anti-proibicionsitas usam a maconha medicinal como estratégia para advogar a legalização geral do uso de drogas."

Em 1936 o filme Reefer Madness (vale à pena assistir) inaugura a perseguição mostrando como apenas uma tragada da fumaça maldita pode levar jovens sadios a uma escalada de violência e luxúria que resulta em morte e insanidade. Apesar da declaração de que os fatos narrados no filme não apresentavam nenhuma relação com pessoas ou situações reais, o filme explicita que cumpre a missão de informar a população incauta sobre o 'novo inimigo público número um' (veja ao lado). O "Marijuana Tax Act", que proibiu a posse, venda e qualquer tipo de uso da cannabis, surge logo em seguida, em 1937, mesmo com a oposição da AMA (Associação Médica Americana).

A década de 70, que viveu a ressaca dos anos rebeldes marcados pelos movimentos contra-culturais, assistiu à sinalização positiva de vários setores da sociedade americana em favor de uma revisão desta abordagem proibicionista. O famoso estudo de 1972 da 'National Commission on Marihuana and Drug Abuse', formada por especialistas e congressistas convocados pelo então presidente Nixon, sugeria no relatório final que "deveríamos desenfatizar a maconha como um problema" e afirmava que "o uso de drogas por prazer ou outros motivos não-medicinais não são inerente irresponsáveis". Tal resultado certamente não atendeu à agenda política da época e foi totalmente ignorado pelo governo -- o período que se seguiu foi marcado por grande censura à pesquisa com psicoativos.

Em 1988, após 4 anos de estudos envolvendo centenas de testemunhas e milhares de páginas em documentação, Francis Young, Chefe do Depto. Jurídico do DEA publicou relatório onde sugeriu uma reclassificação de periculosidade da cannabis declarando: "é razoável concluir que existem utilizações seguras para a maconha sob supervisão médica -- afirmar o contrário constitui claro erro de julgamento". Novamente os estudos oficiais foram desconsiderados, e aproximadamente 10 anos depois o drug-czar do presidente Clinton (Barry Macfrey), afirma
à imprensa
que "não existe nenhum traço de evidência científica sobre segurança ou benefícios medicinais da maconha.".

Enquanto isso, na Europa, pesquisa encomendada pelo governo inglês em 1996 registrou parecer que também recomendava a reclassificação da substância, indicando que "os malefícios não devem ser superestimados: a cannabis não é venenosa e não apresenta algo grau de adição". E o National Institute of Health (EUA) promoveu em 2001 workshop sobre as possíveis utilizações médicas da cannabis, e dentre as conclusões afirma que podem existir casos específicos de pacientes onde o uso da cannabis (a fumaça) supera em resultados os medicamentos que utilizam o princípio ativo (thc) em cápsulas. (Parece clara a distinção americana entre drogas legais e ilegais - tomar uma pílula sintética, ineficaz e cara é aceitável para a medicina, fumar a planta cannabis para aliviar sintomas da AIDS, da quimioterapia, da esclerose múltipla e de uma variedade de síndromes debilitantes é errado e imoral).

A conclusão óbvia frente aos resultados dos estudos oficiais, mesmo quando patrocinados por governos proibicionistas, é que a cannabis apresenta riscos mínimos para a grande maioria de seus usuários, e é capaz de prover benefícios à saúde de pacientes em situações específicas. Fica claro também que o discurso proibicionista não tem nenhum compromisso com a verdade científica, e se aproxima bastante da abordagem que gerou o filme 'Reefer Madness' -- identificar um 'inimigo público'. O tema está em aberto para discussão...

Aqui no Brasil, por enquanto, estamos apenas 'aceitando' as regras impostas pelo patrão, sem qualquer opinião ou pesquisa própria. Sem ao menos avaliar os usos culturalmente desenvolvidos. Até quando?

Bônus link: 'A história da "Cannabis": Saiba como a maconha tornou-se ilegal'