terça-feira, abril 18, 2006

Maierovitch no Roda Viva

Walter Maierovitch (foto, entre arbustos de coca), ex-Secretário Nacional Anti-Drogas durante o governo FHC (1999-2000) e presidente do Instituto Brasileiro Giovanni Falcone, foi o entrevistado do programa Roda Viva ontem (17/04). Interessante tomar contato com as informações sobre a 'Operação Mãos Limpas' na Itália, e o papel diferencial do ministério público na configuração jurídica italiana. Mas o ponto alto da entrevista foram os relatos sobre sua passagem na Senad, e as conclusões que a experiência deixaram no professor de direito, juiz e especialista em criminalidade.

Lembrou, por exemplo, de um episódio ocorrido em Tabatinga, quando no meio da mata amazônica foi apresentado a 6 agentes americanos do DEA que estavam em 'escuta ambiental', e mal sabiam pronunciar uma palavra de português. O 'causo' serviu para ilustrar a situação resultante da política inaugurada por Nixon e impulsionada por Reagan, de 'combater as drogas onde elas estiverem' -- o que serve como ótima justificativa para intervenções transnacionais de todo tipo.

Quando perguntado sobre a viabilidade do combate às drogas, lembrou que os primeiros registros sobre uso de substâncias alteradoras da consciência datam do século 5 antes de cristo, e que desde então não há nenhum sinal concreto de que a cultura humana possa viver sem o uso social das substâncias psicoativas. A repressão / prevenção ao uso, princípio da política que os EUA forçam o resto do mundo a adotar, resultou em um mercado paralelo que movimenta 300 bilhões de dólares por ano, onde os aparelhos policiais são presas fáceis de um irresistível poder corruptor e só apreendem de 5 a 10% do que é ofertado.
"A política brasileira antidrogas, concebida ao apagar das luzes do governo FHC e mantida por Lula, copiou o modelo norte-americano, que, dentre outros equívocos, trata a demanda como questão criminal e não de saúde pública."
Walter Maierovitch - Falcão, os meninos do tráfico, in Carta Capital
Após deixar a Senad em 2000, Maierovitch chegou a lamentar publicamente a posição brasileira, que divergia de outros países latino-americanos como Peru e Equador e se alinhava aos EUA: "O professor Fernando Henrique vai deixar o Governo defendendo a criminalização da maconha, o que vai na contramão da história". ( Jornal do Brasil - 20/04/2002). No programa, avaliou que FHC se equivocou ao apressar Aécio Neves, então presidente da câmara dos deputados, a aprovar a nova lei anti-drogas nas últimas semanas de seu governo. O resultado foi uma colcha de retalhos, que FHC teve que vetar na última hora (derrubou 35 artigos de um total de 59). O que fica patente é que o descaso político em relação ao tema está cobrando caro da sociedade brasileira.

Recentemente (03/03), Maierovitch fez uma aparição retumbante na blogosfera postando pelo blog do Fernando Rodrigues ('Lula abre porta para política de drogas que antes combatia'), lembrando-nos das sinalizações que Lula emitia em relação ao tema das drogas quando ainda em campanha. Em 1998, por ocasião da Assembléia Especial das Nações sobre Drogas em Nova York, foi signatário do protesto encaminhado ao secretário geral Kofi Annan contra as políticas proibicionistas da ONU.
Diz a carta: "Acreditamos que a guerra global contra as drogas está causando agora mais danos do que o uso indevido de drogas em si. " E mais adiante: "Persistir em nossas atuais políticas apenas resultará em mais uso indevido de drogas, maior fortalecimento do mercado ilícito, aumento da criminalidade e mais doença e sofrimento."Apesar de ter assinado esta carta, nosso presidente parece ter se esquecido de suas idéias políticas sobre as drogas, mantendo a política antidrogas intolerante, fascista, opressora e repressiva, levianamente militarizada durante o governo FHC, com as bênçãos (ou quem sabe imposição) da Casa Branca.'
Luiz Paulo Guanabara - Psicotrópicus - Carta Pública a Kofi Annan
Seguimos assistindo a passagem de presidentes e autoridades do tema 'drogas' que se manifestam contrários à orientação da política estabelecida, e que no entanto não são capazes de efetivar mudanças concretas no cenário e no marco regulatório que ordena a questão. Não estaria na hora de atuarmos de forma séria e autônoma, livre das cartilhas gringas que jamais deram qualquer resultado positivo? Não reside aí a solução para 'os meninos do tráfico'? Fala Maierovitch, ex-secretário da Senad.