terça-feira, fevereiro 21, 2006

Uso ritual da ayahuasca é reconhecido pela Suprema Corte nos EUA

Em decisão unânime (8-0), a Suprema Corte dos Estados Unidos deciciu que o governo Bush não pode impedir a filial da União do Vegetal no estado do Novo México de utilizar o chá Ayahuasca (Hoasca / Santo Daime) em seus rituais religiosos. O veredicto atesta que o grupo religioso está protegido pelo 'Religious Freedom Restoration Act', aprovado pelo congresso em 1993, e que foi peça jurídica fundamental no processo que legalizou o uso ritual do cactus peiote (princípio ativo: mescalina) pela 'Native American Church' - congregação que reúne descendentes de algumas etnias indígenas norte-americanas.

O caso colocou o governo Bush, que declara o chá perigoso e ilegal, em desconfortável oposição a vários grupos religiosos importantes. Dentre as organizações que oficialmente apoiaram a UDV do Novo México no processo estão a seção norte-americana da Conferência dos Bispos Católicos e a Associação Nacional dos Evangélicos entre outros. Os advogados do Departamento de Justiça tentaram demonstrar que haviam interesses de ordem superior para a aplicação uniforme do 'Controlled Substances Act' no caso, o que determinaria a ilegalidade do sacramento em virtude da presença do DMT como um dos princípios ativos encontrados no chá amazônico.

Os juízes entretanto consideraram que a exceção concedida ao uso ritual do peiote, que está em vigor desde que o 'Controlled Substances Act' foi publicado, não teve como consequência o abuso ou o uso descontrolado e não ritualístico do sacramento nativo. A argumentação de que a exceção à ayahuasca estaria em desacordo com a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas da ONU (de 1971) também não foi considerada válida. Os juízes avaliaram que o governo não conseguiu demonstrar de forma consistente as consequências internacionais que a exceção concedida à UDV poderiam causar.

Vale ressaltar que a vitória jurídica da UDV nos EUA tornou-se possível graças ao apoio incondicional da fortuna e influência de um dos herdeiros da família Bronfman - Jeffrey Bronfman - em todo o processo. O curioso é que a fortuna da família tem sua origem no engarrafamento de bebidas alcoólicas em Montreal, Canadá, na época da Lei Seca nos EUA, e Bronfman, em yidish, significa 'whiskey man' (o homem do whiskey). Recentemente a família vendeu a Seagram's por 8 bilhões de dólares para a multinacional francesa Vivendi, transferindo seus negócios para o ramo do entretenimento e da mídia em escala global, adquirindo a MCA, a Universal Pictures, Universal Music e PolyGram, e mais recentemente, a Warner Music (detalhes no artigo 'Não confunda whiskeyro com oaskeiro').

Em síntese, o proibicionismo de hoje é combatido com os recursos acumulados em função das distorções do proibicionismo do passado. Quais as lições que podemos tirar desta situação? Para acompanhar tudo o que aconteceu no decorrer deste processo, visite os outros links sobre o tema neste blog: