terça-feira, dezembro 06, 2005

Sobre a Conferência Internacional de Reforma da Política de Drogas

O evento ocorrido mês passado em San Diego, na California, foi um marco para o movimento anti-proibicionista e ilustrou o universo de novos ativistas que vêm se incorporando à causa da reforma das políticas públicas sobre substâncias psicoativas. O anfritrião -- diretor-executivo da Drug Policy Alliance, Ethan Nadelmann -- abriu o evento indagando: "Quem somos nós?"
(1) "Somos as pessoas que amam as drogas (aplausos). Sim, eles dizem que apreciamos as drogas, e é verdade. Especialmente a cannabis. A cannabis tem sido boa para nós, e precisamos encontrar uma forma de viver em paz com ela.

(2) Mas somos também as pessoas que odeiam as drogas. Sofremos com as overdoses e com o vício. Mas sabemos que as drogas vão sempre estar presentes, e que a proibição e a justiça criminal não são o caminho para lidar com a questão.

(3) E somos também aqueles que não se importam com as drogas. Nos importamos com a Constituição e o cumprimento das leis. Nos preocupamos com os mais de 2 milhões de cidadãos americanos encarcerados (em geral negros, imigrantes e pobres), e com a manutenção dos direitos e liberdades fundamentais."
E de fato, apesar da diversidade de perspectivas e nacionalidades, estava claro ao final das apresentações da Conferência que os objetivos eram comuns. Importantes participações internacionais ilustraram a dimensão globalizada dos efeitos que as políticas públicas pautadas na 'war on drugs' vêm causando.

Silvia Natalia Rivera, representante da "Coca Y Soberania", apresentou uma lição sobre a dinâmica da coca e da cocaína na Bolívia, demonstrando a ligação da CIA com o narcogolpe de 1982, e denunciando a lei anti-coca boliviana (lei 2008 - redigida em inglês) que criminaliza os cocaleros e facilita para traficantes. "Nossa premissa fundamental é que coca não é cocaína. De um lado temos uma planta, do outro um pó branco que só carrega 1 dentre os 15 alcalóides naturais", afirma. E seguindo a linha do líder cocalero Evo Morales, declara "Precisamos descriminalizar o uso e criar uma zona legal para a coca".

O México foi representado por Abel Barrera, do "Centro de Derechos Humanos de la Montaña Tlachinollan", que destacou o fato da militarização do combate às drogas atingir diretamente a população pobre no estado de Guerrero -- centro-sul mexicano, e neste aspecto foi secundado por Luis Astorga, principal especialista em políticas sobre drogas, que destacou a distorção que atuação dos militares está causando no país.

Também foi discutida a situação da política de drogas holandesa, que vem sofrendo pressões não só externas (especialmente através da política externa dos EUA), mas também do governo conservador de direita. August de Loor falou sobre os experimentos do governo em restringir o acesso de estrangeiros aos coffee-shops, e do embate do executivo com o congresso que resulta na manutenção da esquizofrênica proibição do plantio de cannabis.

Em meio às inúmeras e variadas apresentações (veja programa), foram nos corredores e salões anexos que ocorreram as reverberações que sinalizam um novo momento no debate anti-proibicionista. Estandes da DCRNet, do California Marijuana Party, e da NarcoNon (que boatos diziam pertencer aos scientologistas) cohabitavam nos corredores. O coletivo REFORMA, que congrega as organizações anti-proibicionistas latino-americanas (e caribenhas, agora com o ingresso de Paul Chang da Norml seção jamaicana) e conta com o apoio da Angelica Foundation, alargou consideravelmente sua atuação conectando novos aliados no México e mais ao norte.

Entre os participantes locais, foi efusiva a troca de informações e a articulação entre as novas organizações anti-proibicionistas como a "Students for Sensible Drug Policy" que multiplica-se rapidamente, mas quem realmente 'abafou' na conferência foi a veterana "LEAP - Law Enforcement Against Prohibition", que congrega policiais e ex-policiais em favor de reformas na legislação sobre psicoativos. Vestidos em uniformes (ao lado) e realizando intenso corpo-a-corpo com os participantes do evento, Jack Cole, Peter Christ e Norm Stamper buscavam assinaturas em troca dos 'LEAP-badges' e adesivos muito criativos.



Juntamente a todas as evidências de que o ativismo anti-proibicionista está ocupando um espaço novo no debate social, ficou patente a necessidade de enfatizar a dimensão racial da "War on Drugs". Diante da absoluta predominância 'branca' na participação da Conferência, o ex-presidente da "American Civil Liberties Union", Ira Glasser chamou a atenção para os indicadores que reforçam a tese da proibição como novo instrumento de opressão racial: "Os negros, e outras minorias étnicas, são os alvos desta guerra, pois o sistema encontrou a forma de perpetuar o pesadelo racial. Onde estão os negros? Estão presos em função de políticas públicas".

As evidências parecem reforçar esta avaliação no caso americano, e aqui no Brasil não parece ser diferente. Mas esta é uma boa discussão: opiniões, comentários?