segunda-feira, janeiro 23, 2006

A maioridade do movimento psicodélico



O simpósio internacional realizado na Basiléia - Suiça, organizado com o principal objetivo de celebrar o 100º aniversário do Prof. Albert Hofmann, criador do LSD, marcou de forma expressiva o retorno da pesquisa com psicoativos como alternativa viável para a futuro da saúde mental. O evento reuniu grande parte dos pesquisadores, experimentadores e psiconautas que de maneira estrategicamente discreta mantém resistência à inquisição promovida pela política proibicionista de 'guerra às drogas', e teve na conferência do velho alquimista seu ponto alto:
"Na tarde de 16 de abril de 1943, ao preparar derivados de ácido lisérgico tive que me ausentar do laboratório subitamente. Senti que algo diferente estava acontecendo comigo. Tudo o que eu imaginava vinha a minha mente como imagens. Foi uma viagem de horror, e me senti como se o fim estivesse próximo. Pensei que era realmente o fim. Mas na manhã seguinte me senti revigorado, como se uma nova vida entrasse em meu corpo - uma sensação maravilhosa. Impossível descrever quão mágica foi esta experiência."
Albert Hofmann - Conferência no Simpósio da Suíça - 13/01/2006
Por pouco mais de uma década, do final dos anos 40 até o início dos anos 60, o LSD foi a vanguarda em vários setores da cultura. Al Hubbard, um médico (apelido: "Captain Trips") que mantinha ligações secretas com a CIA, introduziu mais de 6.000 pessoas na utilização terapêutica da substância antes de sua proibição definitiva em 1966. Compartilhou o sacramento com um monsenhor da igreja católica nos EUA, com o fundador da Alcoólicos Anônimos - AA, Bill Wilson, e com Aldous Huxley (em sessão que resultou no conhecido 'Portas da Percepção'). Foi através de Hubbard que muitos analistas e psiquiatras de Beverly Hills 'aplicaram' astros como Cary Grant, James Coburn, Jack Nicholson, a novelista Anais Nin, e o cinegrafista Stanley Kubrick, entre centenas de outros. Foi por aqui que o vetor cultural do LSD decolou, tornando-se assunto em Hollywood e consequentemente disseminando o uso recreativo nas ruas.

Paralelamente, houve a pesquisa militar secreta. Como descrito por Martin A. Lee em "Acid Dreams: The Complete Social History of LSD", foram mais de 10 anos (1953 a 1966) de testes legais e ilegais com o LSD, a procura de uma ferramenta para 'lavagem cerebral', ou algo parecido com o 'soro da verdade'. Os experimentos foram encerrados pelo fracasso da experiência em 'lavar' qualquer coisa, e também pelo fato das doses aumentarem a tenacidade psíquica dos sujeitos em não cooperar com seus entrevistadores. Mas apesar de 35 anos de 'war on drugs' a substância ainda ocupa as manchetes, como no famoso caso da prisão de William Leonard Pickard, onde foram apreendidas aproximadamente 10 milhões de doses de LSD.

Do outro lado desta guerra está Rick Doblin (fundador e presidente do MAPS), que com sua presença afável apresentou no evento sua luta pela reforma da política de drogas e pelo retorno das substâncias psicoativas nas lista das terapêuticas aprovadas pelo FDA. Dessa forma tem facilitado governos e pesquisadores a realizar pesquisa médica com psicoativos em humanos, o que já resulta em estudos em andamento com MDMA (Extase), psilocibina e LSD, cannabis, e a iboga no tratamento da dor crônica e das adições.

Podemos considerar que fazem 50 anos desde o encontro de Gordon Wasson com a xamã Maria Sabina no México, que resultou no artigo "Seeking the Magic Mushroom" publicado na Time em 13 de maio de 1957. E Albert Hofmann viveu este período vendo sua 'criança problema', inicialmente vista como uma respeitável química utilizada por terapêutas em todo o mundo, transformar-se em droga sagrada para uma geração revolucionária, e depois, em mais uma substância num mundo hiper-medicado. No final dos anos 80 e nos anos 90 uma nova geração de 'festeiros', na onda da cultura 'clubber' que popularizou a variante química do Extase, relançou o LSD em meio a um menu variado de substâncias incluindo 2CB, cogumelos, anfetaminas, cocaina, heroina e outras variantes que fazem sucesso nos mercados hedonistas mundiais.

Mas os efeitos do LSD sempre mostraram marcas mais profundas que os modismos superficiais. São famosos os relatos de personagens chave da era da informação que impulsionaram a revolução do computador pessoal usando a substância como fomento à criatividade, como relatado pela revista Wired diretamente do Simpósio:
"O encontro incluiu uma discussão de quão cedo os pioneiros da computação utilizaram o LSD como ferramenta de inspiração. Douglas Englebart, o inventor do mouse, Myron Stolaroff, engenheiro da Ampex, e o fundador da Apple Steve Jobs estão na lista. O repórter do New York Times John Markoff, em seu livro 'What the dormouse said', cita Jobs descrevendo sua experiência com a substância como 'uma das 2 ou 3 coisas mais importantes que realizou na vida. Uma das conferências do evento descreve bem a idéia: 'From Open Mind to Open Source'"
Wired Magazine - LSD: The Geek's Wonder Drug?
Entre tantas convergências culturais, a mensagem do Dr. Hofmann parece clara e lúcida:
"O LSD não causa dependência, e não é tóxico. O perigo do LSD é esta profunda transformação na consciência resultante: pode ser fantástica, pode ser aterrorizante. Conseguimos integrar o alcool e o tabaco em nossa cultura, mas não integramos o uso de psicodélicos. O próximo passo seria colocar estas substâncias nas mãos de psiquiatras. Cinquenta anos de experiência não são nada para uma substância que demonstra tão novas e extraordinárias propriedades. Deveria ser possível o estudo apropriado desta substância."
Alberto Hofmann - Interview to the British Independent (1993)
E no fechamento do evento, Dr. Hofmann, 100 anos de vida, com lágrimas nos olhos, faz um apelo aos presentes:
"Somos seres da luz. Isto não é uma expressão mística, é também um fato científico. E a energia do pensamento é alimentada por energia da consciência, a mais alta forma de transformação. Tenho orgulho do meu destino. Agradeço ao bom Deus, e agradeço a todos vocês, crianças que puderam contemplar o caminho. Vocês, que ajudaram a tornar minha criança problema em criança prodígio. Ajudem a minha criança neste mundo. Vocês, que a conhecem, assim devem proceder"
Albert Hofmann - Encerramento do Simpósio.
Entre as muitas referências neste post, grande parte foi retirada do excelente relato de Rak Razam, a quem deixo a última palavra:
"O Movimento Psicodélico é como um iceberg com nove décimos de sua massa abaixo da superfície. Na medida em que resolve mostrar-se, saindo do underground, causa ondas que balançam toda a cultura estabelecida".
Rak Razam - Rebirth: The Psychedelic Movement Comes of Age
Viva Albert Hofmann, Viva o LSD, e vida longa às cabeças que conectam tudo isso!!