segunda-feira, maio 15, 2006

Proibicionismo e relações internacionais nas Américas

Mais uma vez a doutrina anti-drogas dos EUA interfere em processos democráticos e decisões soberanas no âmbito da regulação do uso de substâncias psicoativas em seus vizinhos nas américas. Desta vez foi no México, onde o Presidente Vicente Fox teve que passar pelo papel ridículo de se curvar à prepotência de Bush e vetar uma lei promulgada pelo Senado, a qual estabelecia uma reforma na abordagem penal aos usuários de substâncias psicoativas -- projeto que ele mesmo(!) havia enviado para aprovação no congresso:
"El Senado aprobó, la madrugada de ayer, reformas a la Ley General de Salud y a los códigos Penal Federal y de Procedimientos Penales que permiten la portación de cantidades mínimas de drogas, sólo para consumo personal. Las reformas, con 53 votos a favor, 26 en contra y una abstención, limitan la competencia de las autoridades locales a los delitos de comercio, suministro y posesión de narcóticos en pequeñas cantidades con base en un listado elaborado por la Secretaría de Salud. Una vez que las modificaciones se publiquen en el Diario Oficial de la Federación, cualquier persona podrá portar una dosis autorizada de droga, siempre y cuando tenga la necesidad o la prescripción médica, ya sea porque es drogadicto o requiere del narcótico por cuestiones de salud. Aquella persona que se sorprendida con mayor cantidad a la autorizada será investigado y procesado por posesión de narcóticos."
Los adictos podrán portar ciertas dosis de droga - trikinhuelas.com - 30/04/2006
Apesar de ter percorrido todo o trâmite legal e apresentar-se como uma legítima decisão soberana de um país que sofre especialmente com os efeitos de uma guerra sem fim ('war on drugs'), a reforma durou apenas 3 dias. Pode-se imaginar a pressão sofrida pelo pobre Vicente frente às àguias de Washington, e a 'emenda ficou pior que o soneto'.
"Había sido presentada por el presidente Vicente Fox ante la Comisión Permanente, el 30 de diciembre de 2003. Pasó por el Senado, por la Cámara de Diputados, regresó a Xicoténcatl, se aprobó y después el Ejecutivo al final decidió vetarla. Eso fue lo que ocurrió con la iniciativa de reformas a la Ley General de Salud, al Código Penal Federal y al Código Federal de Procedimientos Penales."
Fox vetó ley sobre drogas que impulsó - El-Universal.com.mx - 05/05/2006
Fica aí mais uma lição para o movimento anti-proibicionista. É inútil tentar mudar leis à nível nacional sem uma articulação mais ampla no âmbito internacional. Como já declarou publicamente o Ministro da Cultura Gilberto Gil em recente entrevista:
Quando o senhor fala de liberação, fala de todas as drogas?
Falo gradualmente. Pode partir das drogas menos complicadas às mais complicadas. Uma graduação no processo de liberação e uma compactuação internacional. Unilateralmente alguns podem, como os países europeus Holanda, Portugal e Suíça, que praticam mais essa liberação gradual de drogas. Mas nos países da América do Sul, onde a produção é grande, o tráfico, a base de fornecimento das drogas, é onde essas bases estão: no caso do Oriente, a heroína; na América do Sul, a cocaína; e África e partes da América do Sul, o caso da maconha. Para essas áreas, era preciso que houvesse pactuação internacional. Unilateralmente é muito difícil. Brasil libera as drogas, e aí?! E os outros ao redor não liberam? Aí fica complicado.
Legalização Das Drogas: O Que Diz O Ministro Da Cultura - Terra Notícias
O ministro sabe do que está falando, e a América Latina reúne todas as condições para se articular pró-ativamente contra este inferno imposto pela mentalidade distorcida do império norte-americano. Temos aqui no continente o posicionamento corajoso de Evo Morales em afirmar a cultura e o uso social positivo da folha da coca, e também a experiência exitosa da mediação estatal da regulação do uso ritual da ayahuasca no Brasil. As contradições da argumentação que fundamenta a política da 'guerra às drogas' começam a ficar evidentes, e até a suprema corte americana já não pode resistir à força dos fluxos criativos da cultura que clamam pela oportunidade de atacar o problema do abuso de susbstâncias psicoativas por outras vias que não o proibicionismo autista.
"George W. Bush pode se gabar de ser o homem mais poderoso do globo, um “guerreiro” invencível, mas perdeu, e feio, a “batalha dos vegetais”. Por decisão unânime, a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu, em fevereiro, que o presidente não pode impedir a filial ianque da União do Vegetal (UDV) de usar, em seus rituais religiosos, o chá de ayahuasca (ou huasca ou santo daime), visto pelo presidente norte-americano como “um alucinógeno que altera o funcionamento da mente e causa danos irreparáveis nos esforços de combate ao tráfico de narcóticos transnacional”. No mês passado, os cultos ayahuasqueiros conseguiram outra vitória: durante o Seminário Ayahuasca, promovido pelo Conselho Nacional Antidrogas, o Conad, foi apresentado um relatório recente da ONU que exclui o DMT, princípio ativo do chá, da lista de psicoativos proibidos pelo Tratado Internacional de Drogas, de 1971. Mais: em 2007, o Brasil está convidado para apresentar na sede da organização, em Nova York, a sua forma de trabalhar com a ayahuasca."
A batalha dos vegetais - Carlos Haag - Revista Fapesp - Maio/2006
Cabe a nós, interessados na mudança desta situação, uma reflexão sobre o que tem sido feito até agora, e como podemos aperfeiçoar a ação de esclarecimento da sociedade frente à este festival de ignorância patrocinado por Mr. Bush e cia. Não há como esperar pelo bom senso destes senhores da guerra, como já pudemos comprovar. Nosso objetivo tem de ser a articulação continental dos movimentos anti-proibicionistas.

Falei. Alguém tem algo a acrescentar?