segunda-feira, agosto 21, 2006

Comentários sobre a nova lei de drogas antes da decisão presidencial (2)

A assinatura da nova Lei de Drogas deve acontecer ainda esta semana, entretanto ainda estamos reunindo impressões de especialistas em relação às propostas contidas no texto. O objetivo da Ecologia Cognitiva é manter aceso o debate e reunir informações que qualifiquem o posicionamento da sociedade civil e, em especial o do movimento anti-proibicionista, frente ao novo enquadramento legal proposto para o tema.

Como assinalado pelos coletivos associados, existem alguns pontos da nova lei que merecem atenção e a nosso ver são caso de veto presidencial. A REDUC já havia levantado a questão do Art. 33, que mantém a perspectiva da lei atual, a qual serve como base à perseguição dos implementadores dos programas de redução de danos.
"Já que se trata de modalidades de auxílio ao uso melhor, seria que o parágrafo estivesse alocado sobre a mesma rubrica daquele e sujeito às mesmas penas com a ressalva das ações de redução de danos. Da maneira como está colocado dará fundamento legal à continuidade das perseguições aos agentes de saúde."
Nova legislação sobre drogas - um olhar crítico - REDUC
Outro aspecto que assinalamos aqui é em relação ao Art. 71, que menciona a implementação dos juizados especiais sobre drogas sem o devido cuidado de distinguir tráfico e uso na disposição que define. Apresentamos abaixo argumentação que reforça o posicionamento da REDUC e aumenta o coro para que o presidente Lula realize um último esforço no sentido de tornar a lei mais coerente com sua proposta geral -- conforme explicitada no capítulo sobre 'Princípios e Objetivos'.


Crítica a dispositivos que integram o
Projeto de Lei do Senado n° 115, de 2002
(n° 7.134, de 2002, na Câmara dos Deputados)

Art. 33.

§1°.......................

§ 2° - “Induzir, instigar ou auxiliar alguém ao uso indevido de droga:
Pena – detenção, de (um) a 3 (três) anos, e multa de 100 (cem) a 300 (trezentos dias-multa.”
Sugestão de veto – Justificativa
A lei não deve conter disposições supérfluas, cabendo buscar, portanto, a conveniente concisão. Ora, a conduta desenhada no dispositivo transcrito acima está subsumida na previsão do art. 29 do Código Penal – verbis: “Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas na medida de sua culpabilidade.” Assim, além da apontada superfluidade, o parágrafo comentado, por sua extrema subjetividade, se transformaria em fonte de arbítrio o que, a todo custo, há de ser combatido.
§ 3° - “Oferecer droga, eventualmente e sem objetivo de lucro, a pessoa de seu relacionamento, para juntos a consumirem:
Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 1 (um) ano, e pagamento de 700 (setecentos) a 1.500 (mil e quinhentos dias-multa, sem prejuízo das penas previstas no art. 28.”
Sugestão de veto – Justificativa
O sentido teleológico da nova lei, que se colhe logo das “Disposições Preliminares” (art. 1°) e “Dos Princípios e dos Objetivos do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas” (arts. 4° e 5°) aponta para a salutar e indispensável distinção de tratamento entre o tráfico e o uso indevido de drogas, ressaltando “o reconhecimento da intersetorialidade dos fatores correlacionados com o uso indevido de drogas, com a sua produção não autorizada e o seu tráfico ilícito”; enfatiza mais “a adoção de abordagem multidisciplinar que reconheça a interdependência e a natureza complementar das atividades de prevenção do uso indevido, atenção e reinserção social de usuários e dependentes de drogas, repressão da produção não autorizada e do tráfico ilícito de drogas”. Ainda, é princípio adotado pelo diploma legal aprovado pelo Congresso Nacional, “a observância do equilíbrio entre as atividades de prevenção do uso indevido de drogas...e de repressão.”
O veto impõe-se, primeiramente, porque há subsunção da conduta contemplada no § 3°, ora analisado, na previsão do art. 28 do texto legal. Em ambos os casos trata-se, fundamentalmente, de consumo pessoal de drogas, em conjunto ou individualmente, e sem a prática de qualquer operação lucrativa. Há, destarte, evidente contradição do dispositivo sob comento, com os “Princípios” supracitados, visto como insere-se a prática de uso indevido no capítulo dos “Crimes”, incluindo-a, especialmente, como matéria do tráfico, previsto no caput do art. 33.
Art. 71. “Nas comarcas em que haja vara especializada para julgamento de crimes que envolvam drogas , esta acumulará as atribuições de juizado especial criminal sobre drogas, para efeitos desta Lei.”
Sugestão de veto – Justificativa
Também aqui cumpre reiterar os princípios e objetivos do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas, explicitados no texto encaminhado à sanção presidencial que, ao ressaltar a importância de adoção de tratamento legal perfeitamente distinto para o tráfico e o uso indevido de drogas, afasta a unidade de jurisdição contemplada no art. 71, com prevalência do tratamento penal para as duas condutas.
Seguimos atentos para informar qualquer novidade.

terça-feira, agosto 01, 2006

Comentários sobre a nova lei de drogas antes da decisão presidencial

Existe algo realmente estranho no artigo 28 do projeto da nova lei de drogas, pois como bem apresentado neste post, o uso de substâncias psicoativas ainda está configurado como 'injusto penal', ou seja, crime.
"Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
Redação final do Projeto de Lei do Senado nº 115, de 2002 (nº 7.134, de 2002, na Câmara dos Deputados)"
Da forma como apresentado, o artigo 28 explicita certa esquizofrenia pois criminaliza sem exatamente punir. Expressa um evidente mas ainda tímido reconhecimento da falência do modelo repressivo como estratégia eficaz de combate ao uso de substâncias psicoativas na sociedade. O resultado é uma 'nova lei (ainda) anti-drogas', que continua criminalizando (agora disfarçadamente) o usuário.

Os malabarismos legislativos específicos deste projeto de lei parecem retratar a 'acomodação' articulada para atender às diversas forças que compõem o atual cenário político nacional e internacional. São o resultado de uma tramitação de 4 anos passando por Câmara, Senado, SENAD, Casa Civil, Itamaraty, entre outros, e só Deus sabe o que foi necessário acomodar para se alcançar consenso e manter coerência neste texto. Resta saber se tais acomodações e adaptações legislativas são a melhor maneira de gerar princípios e diretrizes destinados a lidar com uma questão social tão complexa. O Prof. Herbert Reis Mesquita, delegado da Polícia Federal e professor de Direito Penal da Faculdade Unieuro, acha que não:
"Nesse contexto, apenar alguém que comete um crime com uma "advertência sobre os efeitos da droga" é pífio, não sendo o "aconselhamento" uma função precípua da polícia e do Judiciário"
O crime compensa? Com a nova lei de drogas o crime pode compensar
Walter Maierovitch, ex-SENAD no governo FHC, também apontou a distorção em rápida análise sobre o projeto de lei que está para ser sancionado pelo presidente Lula:
"O projeto é criminalizante no que toca ao usuário, exatamente o oposto do contido e pregado em carta assinada pelo Lula para o secretario geral do ONU, em 1998. Além disso está na contramão, ou seja, é atrasado: trabalha com a falsa idéia de despenalização e introduz o modelo norte-americano da "Justiça Terapêutica". E também converte em pena de prisão a sanção restritiva a direitos imposta ao condenado por porte de droga para uso próprio. Se o Lula colocar no seu c.vitae a introdução da Justica Terapêutica no Brasil, o Bush e o czar da Casa Branca, Jonh Walters, irão adorar."
Walter Maierovitch - Sobre o projeto de lei
Para reforçar a oportuna lembrança com que nos brinda Maierovitch, registramos aqui que a mencionada carta assinada pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva entre outras coisas diz:
"Acreditamos que a guerra global contra as drogas está causando agora mais danos do que o uso indevido de drogas em si... Persistir em nossas atuais políticas apenas resultará em mais uso indevido de drogas, maior fortalecimento do mercado ilícito, aumento da criminalidade e mais doença e sofrimento."
Psicotrópicus - Carta Pública a Kofi Annan
O uso / consumo de substâncias psicoativas é uma decisão de foro pessoal, não agride bem jurídico penal, e portanto não faz sentido ser enquadrado como crime em qualquer hipótese. Por sua vez, o abuso de substâncias psicoativas é uma questão de saúde pública, que deve ser abordada pela ótica da redução de danos. Neste aspecto, segundo os colegas do Princípio Ativo, temos progresso com a nova lei:
"A lei traz alguns grandes avanços. Ao definir que as políticas de atenção em saúde voltadas às pessoas que usam drogas devem estar pautadas nos princípios e diretrizes do SUS, a lei aponta saúde como direito... a Redução de Danos aparece devidamente caracterizada como forma de atenção em saúde. Neste sentido, passamos a ter um dispositivo poderoso de enfrentamento da Justiça Terapêutica, pois mesmo que ainda seja permitido ao juiz determinar um tratamento (o que é um contra-senso se pensamos nos princípio dos SUS), ao menos podemos exigir que a definição sobre qual a abordagem terapêutica seja construída pelo sujeito, conjuntamente com um profissional de saúde do SUS."
Reflexões do Princípio Ativo sobre as implicações da nova lei (ainda) antidrogas
Há indícios de que Lula deve assinar a lei até o próximo dia 04/08, e não temos ilusões sobre a possibilidade de mudanças significativas no que está proposto. Entretanto, consideramos que a aprovação desta lei abre uma nova etapa para o anti-proibicionismo no Brasil, onde vislumbro um debate mais arejado e menos preconceituoso sobre o uso social de substâncias psicoativas. Os colegas do sul foram felizes na síntese:
Mesmo reconhecendo que o substitutivo da lei 6.368/76 está apontando para o reconhecimento de um fracasso da lógicas meramente repressivas (seja na área da saúde ou da segurança), nossa única vitória está em poder usar esta lei, a partir de sua sanção, não somente como um dispositivo de reflexão sobre a proibição das drogas em nossa sociedade, mas também como um instrumento de luta pelos direitos dos usuários e dos pequenos vendedores das drogas tornadas ilícitas.
Reflexões do Princípio Ativo sobre as implicações da nova lei (ainda) antidrogas
Nós aqui seguimos acompanhando o tema, informando e debatendo, e também torcendo por uma boa decisão presidencial. O que seria mais oportuno neste momento? Sancionar a lei e propor discussão, ou vetar partes do texto? Como resolver a esquizofrenia da proposta? O que vetar? Certamente precisamos alargar o debate, e o momento oportuno pode ser agora mesmo.