sábado, fevereiro 14, 2009

Um caminho possível: Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (Lei 9882/99)

Seguindo a pesquisa jurídica da 'Ecologia Cognitiva' iniciada no post sobre a 'Constitucionalidade da legalização do uso de substâncias psicotrópicas', apresentamos abaixo uma proposta de encaminhamento legal enviada por especialista. Ressaltamos que o momento é propício para que todos os ativistas do movimento anti-proibicionista estudem formas de se manifestar em nome de uma nova política para as substâncias psicoativas. Apresentamos aqui um caminho possível, e aguardamos a manifestação dos interessados.

"Venho, por meio deste primeiro contato, colher informações e impressões de todos que desejam proporcionar um debate democrático e amigável acerca do tema “legalização da maconha”, como abaixo será melhor explicitado.

Em razão do atual cenário jurisdicional brasileiro, o Supremo Tribunal Federal vem, aos poucos, se tornando uma verdadeira Corte Constitucional, onde se destaca a efetivação das garantias fundamentais.

Convém ressaltar, que tal postura é objeto de inúmeras críticas, principalmente no que diz respeito aos limites da Corte Constitucional, como interprete maior da Constituição, principalmente quando os demais Poderes da República se sentem atingidos pelo Poder Judiciário, por entender que há uma ofensa à separação dos poderes, quando são editadas súmulas vinculantes, de observância obrigatória em todos os níveis.

Assim, em face desta nova postura que se apresenta, surgiu a idéia de se propor uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (Lei 9882/99), a qual tem por “objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público”.

Em síntese, haveriam 2 (dois) pedidos distintos a serem analisados pelo Supremo Tribunal Federal (podem surgir outros, conforme o assunto for sendo debatido):
a) requerer seja reconhecida a liberdade individual do cidadão em manter, dentro de sua propriedade, produção particular de cannabis, visando o consumo próprio, respeitados direitos de vizinhaça e com estrita observância no que tange à probição em relação ao comércio da cannabis;

b) requerer seja reconhecido o direito da consagração da cannabis em cultos religiosos, nas crenças que adotam mencionada planta em seus rituais;

c) requerer que qualquer forma de expressão que vise debater o tema, seja em local público ou privado, vedado o anonimato, não seja obstada pelos órgãos públicos em todas os âmbitos (municipal, estadual, distrital e federal);
Desconheço, nos últimos tempos, qualquer ação proposta perante o Supremo Tribunal Federal que aborde um tema tão complexo envolvendo uma série de direitos fundamentais.

Este caso, por si só, será bastante emblemático, pois não contém grande conteúdo de natureza econômica, como normalmente ocorrem em muitos dos debates postos perante a Corte Maior. O foco maior será a efetivação das garantias constitucionais fundamentais, em destaque a liberdade individual, da liberdade de expressão, a liberdade religiosa, dentre outras.

Ao mesmo tempo, outro ponto de grande relevância, é a questão de segurança pública. “Nós, usuários, queremos o reconhecimento do nosso direito de dizer “NÃO” aos traficantes!

Somos diferentes deles. Não quero comprar de bandido. Quero pagar imposto, acaso seja necessário. Quero saber a origem da cannabis que eu utilizo, como foi plantada, como foi cultivada, se a produção usa adubos orgânicos ou químicos e, fundamentalmente, se foi plantada em situação regular, respeitando direitos dos trabalhadores, dentre outras indagações.

A causa também abrange aspectos de saúde pública. Sim, realmente é um problema. No entanto lembro o saudoso Senador Jefferson Peres falando que basta instituir uma contribuição em cima da comercialização do produto e o dinheiro direcionado ao Ministério da Saúde, como já vem sendo feito com cigarros, bebidas alcoólicas, dentre outros itens que também são considerados prejudiciais.

Por fim, é importante encontrar quais dos legitimados estarão interessados nesta causa, posto que, conforme preceitua a legislação, somente pode propor a ADPF (i) o Presidente da República; (ii) a Mesa do Senado Federal; (iii) a Mesa da Câmara dos Deputados; (iv) a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (v) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (vi) o Procurador-Geral da República; (viii) Partido Político com representação no Congresso Nacional; (ix) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Para finalizar, o Supremo Tribunal Federal, em pesquisa que realizei, nunca apreciou o tema de modo tão profundo e, outro destaque, é a possibilidade de “audiências públicas” acerca do tema, antes de uma solução definitiva dos Ministros.

Concluo esperançoso com a idéia, sabendo que, independentemente de qual solução venha a ser dada, que o caso com certeza será bastante discutido por todos meios de comunicação, o que poderá gerar uma nova fase quanto ao tema, principalmente quanto ao modo de enfoque dado pelos grandes meios de comunicação e, também, opinião pública.

Obrigado a todos, aguardo comentários, sugestões, críticas e apoio."

Heitor Sativo

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

2009: este é o ano!

Existem alguns motivos que levam nós aqui da Ecologia Cognitiva a considerar que 2009 é um ano estratégico para o movimento anti-proibicionista, e especialmente importante para a grande comunidade de usuários de cannabis.

Em termos globais, o mês de janeiro traz dois fatos marcantes e simbólicos: a posse de Obama, ex-usuário confesso, como presidente dos EUA, e a imagem de Michael Phelps, o atleta mais premiado em olimpíada na história, como experiente usuário de canabis. Como bem colocado por Rob Kall, do OpEdNews:

"Nem Barack Obama e muito menos Michael Phelps estão nas ruas se manifestando pela legalização do uso da canabis, mas não podemos negar que, quando o ser humano que mais ganhou ouro olímpico e o presidente americano mais popular em décadas, ambos registram o uso de canabis em seu histórico, fica difícil de argumentar que o uso desta planta fará mal à sua saúde, ou que irá arruinar a sua vida".

Na semana passada foi a vez do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se manifestar em favor da efetiva descriminalização dos usuários de canabis. A sugestão faz parte do relatório apresentado pela Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, organização não-governamental que tem à sua frente também os ex-presidentes César Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México). "Precisamos quebrar o tabu que bloqueia o debate" afirmou FHC, o que evidencia a pressão que os ex-mandatários deve ter sofrido para não alavancar a discussão do tema no período em que efetivamente governaram (mais sobre a FHC e descriminalização aqui).

No intuito de expandir as fronteiras de sua articulação, FHC foi ao México apresentar ao presidente Felipe Calderón o relatório final da Comissão, a fim de tê-lo como intermediário a favor de uma política mais liberal de combate às drogas junto ao novo governo dos Estados Unidos.

Paralelamente a tudo isso, dentro do governo brasileiro temos a movimentação do ministro da saúde, José Gomes Temporão, defendendo a abertura de um amplo debate sobre a descriminalização das drogas. Temporão já marcou reunião com o ministro da justiça, Tarso Genro, o secretário especial de direitos humanos, Paulo Vannuchi e o ministro do meio ambiente, Carlos MinC, para discutir possíveis alterações na legislação e como o Min. da Saúde pode se preparar para uma eventual descriminalização.

Cabe aos ativistas, neste momento, se mobilizarem para responder com ações articuladas às sinalizações positivas que surgem. Estaremos atentos reportando fatos e apresentando alternativas. 2009: este é o ano!

UPDATE (14/02/09): No clima deste post, a revista Época desta semana traz em reportagem de capa com o título: "Maconha: É hora de legalizar?". E complementa o questionamento: "Por que um grupo cada vez maior de políticos e intelectuais – entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – defende a legalização do consumo pessoal de maconha?". A 'Ecologia Cognitiva' entende que o processo se dá pelo fato de haver chegado o momento de mudar o foco da argumentação que legitima a lógica proibicionista em nosso país.