domingo, maio 10, 2009

Marcha da Maconha 2009 - Brasília


Uma bela tarde de celebração pela liberdade de expressão na Esplanada dos Ministérios em Brasília. Absoluto respeito por parte dos policiais presentes, e manifestação entusiasmada do pequeno grupo de ativistas. Ano que vem será MUITO MELHOR?

Agradecimento ao Ha-Ono-Beko pela trilha sonora: "Sempre tem um lá:-)do bom"

sábado, maio 02, 2009

Sobre a necessidade de debater a maconha

Carta Aberta à Sociedade Brasileira

“A Cannabis aparece nos documentos de referência da ONU produzidos nas Convenções de 1961 e 1971 de maneira contraditória, além de cientificamente incorreta. [...] O Brasil teve papel fundamental na gênese dessa situação, na Convenção de 1924. Faz sentido que o Brasil busque correção de equívoco histórico que já perdura por quase um século”.
(Trecho do Parecer Técnico aprovado na última Reunião do Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas)

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ASSINE A CARTA: Envie seus dados ou os da sua instituição para o email contato@marchadamaconha.org

Sobre a necessidade de debater a maconha

Por, Sergio Vidal [1]

“…Temos clareza de que as metas de um ‘mundo sem drogas’ se mostraram inatingíveis, com visível agravamento das “conseqüências não desejadas”, tais como aumento da população carcerária por delitos de drogas, aumento da violência associada ao mercado ilegal das drogas, aumento da mortalidade por homicídio e violência entre jovens - com reflexo dramático nos indicadores de mortalidade e de expectativa de vida da população. Agregue-se a isso exclusão social por uso de drogas, a ampliação do mercado ilegal…” (General Jorge Armando Felix, 11 de março de 2009).

“A Cannabis aparece nos documentos de referência da ONU produzidos nas Convenções de 1961 e 1971 de maneira contraditória, além de cientificamente incorreta. [...] O Brasil teve papel fundamental na gênese dessa situação, na Convenção de 1924. Faz sentido que o Brasil busque correção de equívoco histórico que já perdura por quase um século”(Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas, Março de 2009) [3].

A planta Cannabis sativa é conhecida no Brasil popularmente como maconha, mesmo nome que é dado também ao fumo usado como droga, apenas uma entre as diversas possibilidades de uso da planta. As folhas, caule, sementes e flores foram e ainda são utilizadas em diversos países do mundo, como matéria prima para inúmeros produtos nas mais diversas áreas. Poderíamos expor dados a respeito de como o Brasil tem se furtado a lucrar com a regulamentação da exploração comercial das partes não-psicoativas da planta e seus derivados, sem necessariamente legalizar o uso para fins recreativos e existem diversos estudos, livros, artigos e outros trabalhos científicos e técnicos que podem ser consultados a esse respeito. Porém, dentro de uma discussão sobre leis e políticas públicas sobre drogas que se proponha de fato debater acesso à saúde, segurança e cidadania aos cidadãos, precisamos atentar não apenas para as perdas econômicas da exploração desse nicho de mercado, mas principalmente para os custos que a manutenção de políticas e leis proibicionistas causam para toda a sociedade.

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domingo, abril 05, 2009

Usuário de canabis: saindo do armário

O movimento pela legalização da Cannabis não para de acumular eventos marcantes neste ano de 2009.

No primeiro encontro direto e oficial de Barack Obama com o público da Internet após eleito, evento que ele chamou de 'online town hall', cerca de 93 mil pessoas submeteram 105 mil perguntas sobre o tema da vez: a economia. Para selecionar as questões a serem respondidas pelo presidente, o site do evento recebeu mais de 3.6 milhões de votos, e grande parte destes votos estavam relacionados à legalização da canabis.

A questão escolhida para ser respondida por Obama no tema era se a cannabis poderia se tornar um elemento de auxílio na recuperação da economia do país. Não passou desapercebido do público o comentário inadequado do presidente, que com um sorriso irônico disse não saber 'o que a pergunta poderia revelar sobre a audiência online' -- o que provocou risos contidos no público presente. Obama foi categórico em sua resposta ao dizer que não acredita ser a legalização da canabis uma boa estratégia para a recuperação da economia norte-americana.

A postura irônica de Obama frente à surpreendente mobilização dos ativistas da legalização da canabis logo no seu primeiro experimento de diálogo aberto na rede gerou reações interessantes na mídia e nos blogs. Um artigo na revista Time ("Why Legalizing Marijuana Makes Sense") critica o presidente por ter reagido de forma absolutamente padrão à questão. E também por ter alimentado com sua ironia a hipocrisia que domina o debate, perdendo assim uma boa oportunidade de dialogar criativamente sobre uma política pública que precisa ser reformulada.

A partir daí, uma série de artigos e posts em blogs começaram a surgir indicando um movimento de 'saida do armário' por parte de usuários de canabis começam a identificar a importância de sua participação ativa nesta etapa. Nos últimos dias o movimento ganhou um apoio de peso: o Andrew Sullivan do 'Daily Dish', blog político que figura entre os mais lidos nos EUA, iniciou uma série de posts entitulados 'The Cannabis Closet' (2, 3, 4, 5, 6..), onde referencia variadas manifestações de usuários de longa data, profissionais bem sucedidos e pais de família, todos declarando o uso positivo que fazem da planta.

Alguns destes usuários são reconhecidos em seus meios profissionais, como é o caso de Will Wilkinson, do Cato Institute, e que já escreveu para o 'The Economist', 'Reason', 'Forbes' e 'Slate'. Wilkinson publicou esta semana um artigo de opinião no 'The Week' onde 'sai do armário' em grande estilo ('I Smoke Pot and I Like It'), e manda uma dica ao presidente Obama sobre 'o que a pergunta (sobre o tema legalização da canabis que emergiu no primeiro 'online town hall') poderia revelar sobre a audiência online':
"Talvez esta mobilização revele o simples fato de que os ativistas da legalização da canabis alimentavam a esperança de que este presidente que ajudamos a eleger, e que um dia já tragou, iria, mesmo no meio de uma recessão na economia, devotar alguma atenção às desastrosas políticas de repressão às drogas promovidas por este país".
O que esta 'audiência online' parece estar percebendo é que para alcançar seus objetivos não irá bastar votar anonimamente em sites de participação online. Será necessário falar, demonstrar, manifestar a própria cultura de uso da canabis, e isso vai exigir exposição. A internet foi um grande instrumento de organização e articulação, pesquisa e disseminação de informações para o movimento anti-proibicionista. Pode se mostrar agora um canal legítimo de expressão para uma cultura que foi violentamente reprimida e censurada nas últimas décadas.

Caso queiram utilizar o 'Ecognitiva' para enviar a sua manifestação, a sua 'saída do armário', estejam à vontade. Podem utilizar a seção de comentários para postar sobre a sua relação com a canabis, e estarei republicando o conteúdo no blog.

sábado, março 14, 2009

Fracasso da Nova Declaração sobre Drogas da ONU é exposto na rede

Nos dias 11 e 12 de março 2009, o Comitê de Alto Nível da Comissão de Estupefacientes (CND) da ONU se reuniu em Viena para avaliar a implementação da declaração política e dos planos de ação da sessão especial da Assembleia Geral das Nações Unidas (UNGASS), realizada em 1998. A avaliação teve início em 2008, e irá determinar a política internacional de drogas para a próxima década.

As semanas que antecederam o evento foram marcadas por diversas manifestações na mídia que evidenciam a quebra do consenso internacional sobre a estratégia a ser usada no controle do uso das drogas. Notícias sobre a inadequação do conteúdo da declaração a ser apresentada no evento povoaram a mídia internacional, e hoje podemos encontrar na rede inúmeras manifestações contrárias ao texto da declaração adotado pela ONU.

A Human Rights Watch, a Sociedade Internacional sobre Aids, e a Associação Internacional de Redução de Danos afirmaram que a nova Declaração das Nações Unidas sobre Política de Drogas carece de medidas que seriam extremamente importantes para tratar e travar o alastramento do HIV.
"As delegações de Governo poderiam ter utilizado este processo para fazer um balanço daquilo que tem falhado na última década nas estratégias de controle da droga, e para criar uma nova política internacional de drogas que reflila as presentes realidades e desafios. Em vez disso, eles produziram uma declaração que não só é fraca - é realmente prejudicial aos direitos humanos fundamentais de saúde e obrigações", disse o Prof Gerry Stimson, diretor executivo da Associação Internacional de Redução de Danos.
O episódio revela a absoluta falta de consenso em torno do texto aprovado, materializada na manifestação da representação da Alemanha, que falando em nome de países como Australia, Bolivia, Bulgaria, Croacia, Chipre, Estonia, Finlandia, Georgia, Grécia, Hungria, Latvia, Lichtenstein, Lituania, Luxemburgo, Malta, Holanda, Noruega, Polônia, Romênia, Santa Lucia, Eslovenia, Espanha, Suíça e Reino Unido, afirmou que estes países irão interpretar o termo "related supported services" (serviços relacionados apoiado) contido na declaração como indicativo do apoio da ONU a ações de reduções de dano já em curso por parte destes governos.

Russia, Colombia, Argentina, Cuba, EUA, Sri Lanka, e Japão foram os países que se opuseram à manifestação dos alemães. Seria importante saber como a delegação brasileira se comportou em relação à declaração apresentada pela ONU.

O que está em questão neste caso é um conjunto de medidas conhecidas coletivamente como "serviços de redução de danos", que foram aprovadas pelas agências de controle de saúde e consumo de droga da ONU, incluindo o Gabinete das Nações Unidas contra a Droga e o Crime, a ONUSIDA e a Organização Mundial de Saúde. Estas medidas incluem troca de agulhas e seringas e medicação-terapia assistida (por exemplo, com metadona), tanto dentro como fora da prisão, como essenciais para tratar o HIV entre as pessoas que usam drogas. O grupo observou que inúmeros elementos comprovam que a redução dos danos é essencial à prevenção do HIV para as pessoas que usam drogas. O texto aprovado vai em direção contrária à assessoria direta do UNAIDS, o Fundo Global de Luta contra a AIDS, Tuberculose e Paludismo, e os relatores especiais das Nações Unidas em matéria de saúde e sobre a tortura.

A Human Rights Watch afirma que a declaração falha também em termos de direitos humanos. Em inúmeros países em todo o mundo, a aplicação da lei tem resultado em práticas abusivas realizadas sob a bandeira da "guerra contra as drogas", causando extensa e muitas vezes terríveis violações dos direitos humanos. Além disso, interpretações demasiado restritivas dos tratados internacionais de controle de drogas podem resultar, a nível nacional, na negação de acesso a medicamentos e analgésicos essenciais para dezenas de milhões de pessoas no mundo inteiro.
"Dada a ampla difusão de violações dos direitos humanos em todo o mundo diretamente resultantes da aplicação das leis anti-drogas, o respeito pelos direitos humanos devem estar presentes no cerne da política da ONU para drogas. Mas a declaração da ONU faz pouca referência a obrigações jurídicas internacionais dos Estados-Membros no âmbito dos direitos humanos, e também não sublinha o respeito pelos direitos humanos na execução da política de drogas", disse Joseph Amon, diretor da divisão de saúde e direitos humanos da Human Rights Watch.
As organizações também declaram que "a comunidade internacional deve reconhecer que a atual abordagem da política internacional de drogas falhou". Medidas concretas devem ser tomadas para que seja estabelecida uma política de drogas que incorpore medidas resultantes da análise de evidências do que realmente acontece, e dessa forma tratar o consumo de droga e os danos relacionados com direitos humanos como obrigações dos Estados, e também das Nações Unidas como organização internacional. Isso significa apoiar as medidas de redução dos danos. Significa reconhecer que políticas de drogas punitivas não funcionam, e têm gerado graves efeitos na vida e na saúde de milhões de pessoas. Significa, também, reconhecer que precisamos de um novo caminho.

Vale acompanhar a discussão que está acontecendo neste momento na rede -- o blog 'sobre drogas' da globo.com faz boa cobertura do debate, e o CDNblog da IHRA monitora a reunião da ONU em tempo real. Para ilustrar o movimento, apresento abaixo um vídeo produzido pela Organização de Liberdades Civis da Hungria, que acompanhou o evento em Viena e propõe um programa que utiliza um projeto de vídeo colaborativo para colher impressões de especialistas sobre o assunto.



Abaixo, video produzido pela Open Society Institute -- Animated Report 2009 -- apresenta os efeitos desastrosos da política de drogas nos últimos anos, e propõe soluções para o futuro.

sábado, fevereiro 14, 2009

Um caminho possível: Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (Lei 9882/99)

Seguindo a pesquisa jurídica da 'Ecologia Cognitiva' iniciada no post sobre a 'Constitucionalidade da legalização do uso de substâncias psicotrópicas', apresentamos abaixo uma proposta de encaminhamento legal enviada por especialista. Ressaltamos que o momento é propício para que todos os ativistas do movimento anti-proibicionista estudem formas de se manifestar em nome de uma nova política para as substâncias psicoativas. Apresentamos aqui um caminho possível, e aguardamos a manifestação dos interessados.

"Venho, por meio deste primeiro contato, colher informações e impressões de todos que desejam proporcionar um debate democrático e amigável acerca do tema “legalização da maconha”, como abaixo será melhor explicitado.

Em razão do atual cenário jurisdicional brasileiro, o Supremo Tribunal Federal vem, aos poucos, se tornando uma verdadeira Corte Constitucional, onde se destaca a efetivação das garantias fundamentais.

Convém ressaltar, que tal postura é objeto de inúmeras críticas, principalmente no que diz respeito aos limites da Corte Constitucional, como interprete maior da Constituição, principalmente quando os demais Poderes da República se sentem atingidos pelo Poder Judiciário, por entender que há uma ofensa à separação dos poderes, quando são editadas súmulas vinculantes, de observância obrigatória em todos os níveis.

Assim, em face desta nova postura que se apresenta, surgiu a idéia de se propor uma Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental (Lei 9882/99), a qual tem por “objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público”.

Em síntese, haveriam 2 (dois) pedidos distintos a serem analisados pelo Supremo Tribunal Federal (podem surgir outros, conforme o assunto for sendo debatido):
a) requerer seja reconhecida a liberdade individual do cidadão em manter, dentro de sua propriedade, produção particular de cannabis, visando o consumo próprio, respeitados direitos de vizinhaça e com estrita observância no que tange à probição em relação ao comércio da cannabis;

b) requerer seja reconhecido o direito da consagração da cannabis em cultos religiosos, nas crenças que adotam mencionada planta em seus rituais;

c) requerer que qualquer forma de expressão que vise debater o tema, seja em local público ou privado, vedado o anonimato, não seja obstada pelos órgãos públicos em todas os âmbitos (municipal, estadual, distrital e federal);
Desconheço, nos últimos tempos, qualquer ação proposta perante o Supremo Tribunal Federal que aborde um tema tão complexo envolvendo uma série de direitos fundamentais.

Este caso, por si só, será bastante emblemático, pois não contém grande conteúdo de natureza econômica, como normalmente ocorrem em muitos dos debates postos perante a Corte Maior. O foco maior será a efetivação das garantias constitucionais fundamentais, em destaque a liberdade individual, da liberdade de expressão, a liberdade religiosa, dentre outras.

Ao mesmo tempo, outro ponto de grande relevância, é a questão de segurança pública. “Nós, usuários, queremos o reconhecimento do nosso direito de dizer “NÃO” aos traficantes!

Somos diferentes deles. Não quero comprar de bandido. Quero pagar imposto, acaso seja necessário. Quero saber a origem da cannabis que eu utilizo, como foi plantada, como foi cultivada, se a produção usa adubos orgânicos ou químicos e, fundamentalmente, se foi plantada em situação regular, respeitando direitos dos trabalhadores, dentre outras indagações.

A causa também abrange aspectos de saúde pública. Sim, realmente é um problema. No entanto lembro o saudoso Senador Jefferson Peres falando que basta instituir uma contribuição em cima da comercialização do produto e o dinheiro direcionado ao Ministério da Saúde, como já vem sendo feito com cigarros, bebidas alcoólicas, dentre outros itens que também são considerados prejudiciais.

Por fim, é importante encontrar quais dos legitimados estarão interessados nesta causa, posto que, conforme preceitua a legislação, somente pode propor a ADPF (i) o Presidente da República; (ii) a Mesa do Senado Federal; (iii) a Mesa da Câmara dos Deputados; (iv) a Mesa de Assembléia Legislativa ou da Câmara Legislativa do Distrito Federal; (v) o Governador de Estado ou do Distrito Federal; (vi) o Procurador-Geral da República; (viii) Partido Político com representação no Congresso Nacional; (ix) confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.

Para finalizar, o Supremo Tribunal Federal, em pesquisa que realizei, nunca apreciou o tema de modo tão profundo e, outro destaque, é a possibilidade de “audiências públicas” acerca do tema, antes de uma solução definitiva dos Ministros.

Concluo esperançoso com a idéia, sabendo que, independentemente de qual solução venha a ser dada, que o caso com certeza será bastante discutido por todos meios de comunicação, o que poderá gerar uma nova fase quanto ao tema, principalmente quanto ao modo de enfoque dado pelos grandes meios de comunicação e, também, opinião pública.

Obrigado a todos, aguardo comentários, sugestões, críticas e apoio."

Heitor Sativo

sexta-feira, fevereiro 13, 2009

2009: este é o ano!

Existem alguns motivos que levam nós aqui da Ecologia Cognitiva a considerar que 2009 é um ano estratégico para o movimento anti-proibicionista, e especialmente importante para a grande comunidade de usuários de cannabis.

Em termos globais, o mês de janeiro traz dois fatos marcantes e simbólicos: a posse de Obama, ex-usuário confesso, como presidente dos EUA, e a imagem de Michael Phelps, o atleta mais premiado em olimpíada na história, como experiente usuário de canabis. Como bem colocado por Rob Kall, do OpEdNews:

"Nem Barack Obama e muito menos Michael Phelps estão nas ruas se manifestando pela legalização do uso da canabis, mas não podemos negar que, quando o ser humano que mais ganhou ouro olímpico e o presidente americano mais popular em décadas, ambos registram o uso de canabis em seu histórico, fica difícil de argumentar que o uso desta planta fará mal à sua saúde, ou que irá arruinar a sua vida".

Na semana passada foi a vez do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se manifestar em favor da efetiva descriminalização dos usuários de canabis. A sugestão faz parte do relatório apresentado pela Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, organização não-governamental que tem à sua frente também os ex-presidentes César Gaviria (Colômbia) e Ernesto Zedillo (México). "Precisamos quebrar o tabu que bloqueia o debate" afirmou FHC, o que evidencia a pressão que os ex-mandatários deve ter sofrido para não alavancar a discussão do tema no período em que efetivamente governaram (mais sobre a FHC e descriminalização aqui).

No intuito de expandir as fronteiras de sua articulação, FHC foi ao México apresentar ao presidente Felipe Calderón o relatório final da Comissão, a fim de tê-lo como intermediário a favor de uma política mais liberal de combate às drogas junto ao novo governo dos Estados Unidos.

Paralelamente a tudo isso, dentro do governo brasileiro temos a movimentação do ministro da saúde, José Gomes Temporão, defendendo a abertura de um amplo debate sobre a descriminalização das drogas. Temporão já marcou reunião com o ministro da justiça, Tarso Genro, o secretário especial de direitos humanos, Paulo Vannuchi e o ministro do meio ambiente, Carlos MinC, para discutir possíveis alterações na legislação e como o Min. da Saúde pode se preparar para uma eventual descriminalização.

Cabe aos ativistas, neste momento, se mobilizarem para responder com ações articuladas às sinalizações positivas que surgem. Estaremos atentos reportando fatos e apresentando alternativas. 2009: este é o ano!

UPDATE (14/02/09): No clima deste post, a revista Época desta semana traz em reportagem de capa com o título: "Maconha: É hora de legalizar?". E complementa o questionamento: "Por que um grupo cada vez maior de políticos e intelectuais – entre eles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso – defende a legalização do consumo pessoal de maconha?". A 'Ecologia Cognitiva' entende que o processo se dá pelo fato de haver chegado o momento de mudar o foco da argumentação que legitima a lógica proibicionista em nosso país.

segunda-feira, janeiro 26, 2009

Constitucionalidade da legalização do uso de substâncias psicotrópicas

Assunto de interesse:
Real abrangência das garantias fundamentais à diferença, dignidade, formação da personalidade e igualdade de tratamento; possibilidade estatal de decidir sobre o modo de vida dos cidadãos ou até mesmo sua morte.

Delimitação temática:
Possível relação entre efetivo cumprimento dos direitos fundamentais e a concessão do uso de substâncias psicotrópicas hoje declaradas ilícitas. Em outras palavras, considerações sobre a existência de “um direito a se entorpecer”.

Base teórica:
Processo nº 01113563.3/0-0000-000 do Tribunal de Justiça de São Paulo, relativo à inconstitucionalidade da criminalização primária do porte de entorpecentes para uso próprio; confrontado com o texto da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Questões propostas:
Cabe ao Estado fornecer um acervo ético-legal que delimite as substâncias disponíveis ao consumo individual do cidadão? Até que ponto pode o direito versar sobre a proteção do bem jurídico vida, sem cair na armadilha de impor um padrão estatal pretensamente correto de existência humana? Os princípios de dignidade da pessoa humana e livre desenvolvimento da personalidade implicam na possibilidade de usufruir de substâncias psicotrópicas? Se legalizado o consumo, o Estado pode/deve arcar com o suporte aos toxicômanos, ou seja, seres humanos que eventualmente tornem-se dependentes dessas drogas?

O presente trabalho não visa a responder definitivamente a essas indagações, visto que é apenas o embrião de uma pesquisa mais aprofundada que se faz necessária. Uma vez que a problemática das drogas transcende o universo jurídico e abrange conhecimentos médicos e considerações sociológicas e antropológicas, não se pode pretender que aqui o assunto será satisfatoriamente discutido. No entanto, dentro da esfera da constitucionalidade, busco tratar a questão sob um prisma crítico.

Hipótese:
No dia 31 de março deste ano de 2008, o Tribunal de Justiça de São Paulo absolveu o senhor Ronaldo Lopes, preso em flagrante no dia 17 de fevereiro de 2007 com 7,7g de cocaína. Esse TJ considerou que a denúncia anônima perpetrada contra o réu não era suficiente para comprovar crime de tráfico. Além disso, o cidadão foi abordado na rua em que morava e afirmou estar-se dirigindo à sua casa, onde passaria os dias restantes de carnaval e utilizaria a droga. No local não foram encontradas mais substâncias ilícitas, o que descartou a possibilidade de ser um ponto de vendas. Assim, Lopes não mais poderia ser condenado pelo artigo 33 da “Lei de Tóxicos” nº 11.343/2006, que versa sobre a traficância.

No entanto, sua ação ainda poderia ser enquadrada nessa mesma lei, no artigo 28, caput:
Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas: (...).
Após análise da questão, o Tribunal considerou, todavia, que o referido artigo é inconstitucional e apresenta “indisfarçável insustentabilidade jurídico-penal”, por atentar diretamente contra os princípios da igualdade, liberdade e inviolabilidade da intimidade, fundamentos estes garantidos pelo artigo 5º da Constituição Federal.

Pode-se alegar, em contrapartida a esta decisão, que o bem jurídico afetado, a saúde pública, é prejudicado pela circulação da substância psicotrópica no meio social, mesmo que esta seja destinada ao uso individual. Assim, defende-se que o mal a ser combatido não é o dano causado à saúde do consumidor, mas o risco à integridade social que o tóxico representa. Porém, a classificação de “perigo abstrato” não pode ser amparada por esses argumentos, uma vez que o próprio texto da lei identifica o uso como destinação pessoal, idéia esta antagônica à noção de expansibilidade do risco a terceiros. São ações conceitualmente opostas: o consumo exclusivamente individual de qualquer produto não é compatível com o perigo a interesses jurídicos alheios.

Dessa maneira, não se pode zelar pela saúde pública interferindo na esfera privada dos cidadãos, pois o Estado não deve intervir de maneira repressiva (punição penal) no âmbito das escolhas pessoais. Isso caracterizaria imposição de comportamento na esfera da moralidade, o que não compete à normatividade jurídica. Insistir nesse sentido seria praticamente tão insensato quanto penalizar a tentativa de suicídio ou a autolesão, que igualmente não oferecem possibilidade de dano a terceiros.

Posto isso, conclui-se que criminalizar o porte de drogas constitui não-observância ao direito fundamental à diferença daquele que escolhe não seguir o modelo majoritariamente aceitável de vida. Não convém, portanto, que a sociedade estigmatize e exclua do convívio social o cidadão que não compactua com a crença do que é considerado correto e, mesmo ao fazê-lo, não prejudica a outrem. É dever constitucional demandar da população tolerância aos direitos da minoria, também neste caso.

Todavia, essa proposição, situada num modelo proibicionista como o brasileiro, soa quase utópica. Como poderá o indivíduo exercer livremente o seu direito à diferença sem colaborar com o crime organizado do tráfico? Para que o Brasil coloque em prática os ideais democráticos expressos na Carta Magna, é preciso que abandone a lógica bélica e moralista das atuais políticas contra as drogas e adote uma postura mais racional. Já se sabe que o consumo dessas substâncias não é eliminado pela repressão penal (ilusão do ideal de abstinência societal), portanto é preciso que o Estado assim o admita e encare a situação, assumindo a proposta antiproibicionista. Evitando a hipocrisia do fechar de olhos, poder-se-á criar uma série de práticas voltadas à redução de danos gerados pelo uso de entorpecentes. Não será, certamente, uma medida fácil, porém muito mais eficaz do ponto de vista das políticas públicas e coerente para com os princípios constitucionais.